Você já deve ter sofrido por amor, já deve ter se ferido numa desilusão porque não enxergou quem a pessoa era desde o início. É sempre mais reconfortante pensar que seria melhor nem nascer, mas uma vez nascendo, o sofrimento afetivo é o pedágio da vida. Todos passam por isso. Morremos a cada segundo, como uma pilha de pétalas sendo atravessadas por uma agulha negra.
Mas você já se sentiu como um rato de laboratório? Um bichinho fofo, peludo e pequeno à mercê dos experimentos mais dementes e excessivos de alguém? Como, por exemplo, ter seu minúsculo coraçãozinho arrancado pra fora do corpo e vê-lo pulsando na mão de unhas sujas de uma pessoa babando de insensatez sem o menor pudor de deixá-lo cair?
Eu não sabia que era possível naufragar em salivas, do contrário teria tomado mais precauções com frases e atos contradizentes. O primeiro marcando minha existência poética, e o segundo desmarcando esperados encontros como quem descarta comida azeda.
Eu já joguei sim, desconversei, fiz cena. Sem isso são grandes as chances de ser rejeitado de cara. Mas se dei a entender que eu não passava de um brinquedo, peço perdão, me expressei errado. Agora ouço canções que a maioria das pessoas detesta e não posso passar as faixas românticas, pois perdi o manual de instruções do aparelho de som no meu ouvido interno. Quando estiver mal sempre que puder conte com seus amigos, mas quando isso for impossível ouça música, elas são um ombro e tanto.
Você acha bonito e divertido fazer todo mundo de idiota? Sério, você se orgulha de ser assim? Pra você é muito fácil apenas não atender telefonemas enquanto floresce em cada uma de suas presas a muda do ressentimento e humilhação, que lá na frente produzirá as maiores sombras frígidas. Você nem ficará sabendo.
É fácil seguir em frente pra quem não tem razões pra olhar pra trás, pra quem não tem visão periférica ou mesmo o costume de olhar os lados alheios. E não venha chamar isso de escudo. Tornar-se uma pessoa sórdida pra se defender do mundo é como escapar de um assassino no topo de um prédio. E depois jogar-se de lá.
Mas tanto faz. São apenas anotações de quem deu o ego a abater e precisa lembrar o momento exato em que o pulso começa a latejar. Foi só mais um alguém que se aproximou ofertando uma maçã numa mão com a foice da paixão na outra. Quantos pedaços você precisa juntar, quando alguém esquarteja um meio-amor? Não sei, não quero fazer a conta, vou guardar forças pra pagá-la em todas aquelas prestações de resguardo, descrença e reflexão, quando a gente faz uma espécie de autópsia sentimental - vivo e sem anestesia.
Pelo menos até a anunciação do próximo ciclo de vida (e, quem sabe, morte). É assim, tudo que não gera felicidade, degenera, morre na impermanência. Nem pra sempre, nem nunca mais.